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domingo, 17 de agosto de 2008

A verdadeira segurança hídrica do Semi-Árido nordestino

Está claro que o Semi-Árido nordestino tem muita água. Nas represas e no subsolo, inclusive nos estados que sofrem com o fenômeno da seca. Faltam apenas políticas públicas que permitam acesso aos recursos hídricos

Por João Suassuna*

Em função de características geológicas, o Semi-Árido brasileiro tem cerca de 70% de sua superfície formada por um embasamento denominado, na linguagem geológica, de Escudo Cristalino. Nessa extensa área, a rocha que dá origem aos solos está praticamente à superfície, chegando a aflorar em alguns momentos. Isso faz com que, em anos de abundância pluviométrica, haja escoamentos superficiais intensos, causadores de enchentes como as verificadas no início deste ano, que causaram enormes prejuízos.

Apesar de ser considerada uma das regiões semi-áridas mais chuvosas do planeta - a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estima volumes precipitados em sua superfície da ordem de 700 bilhões de m³/ano -, as descargas anuais de seus rios, em direção ao oceano, registram baixas infiltrações em seus aqüíferos (apenas cerca de 58 bilhões de m³) quando comparadas aos volumes anualmente precipitados.

Essa desproporção é causada não apenas pelas características geológicas existentes, mas principalmente pela intensa evaporação. O potencial evaporimétrico da região é superior a 2.000 mm/anuais, numa região em que chove, em média, até 800 mm. Desse potencial escoado, o homem maneja cerca de 27 bilhões de m³/ano, conforme citação de Isaias Vasconcelos de Andrade, técnico aposentado da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), no livro "Semi-árido: manejo da água, abastecimento, agropecuária na pequena bacia hidrográfica".

Aldo Rebouças, hidrogeólogo, professor da Universidade de São Paulo (USP) e exímio conhecedor das águas nordestinas, afirma, em seus trabalhos, que bastaria a extração de apenas 1/3 desse volume escoado (dos 58 bilhões de m³/ano) para se ter água suficiente para o abastecimento de toda população nordestina atual. Seeia o suficiente para atender cerca de 47 milhões de pessoas, com uma taxa de 200/litros/habitante/dia, além de irrigar mais de 2 milhões de hectares, com uma taxa de 7 mil m³/ha/ano. Na visão de Rebouças, existe água no Semi-Árido. Falta apenas o indispensável gerenciamento desse recurso para a satisfação das necessidades do seu povo.

O intenso escoamento superficial existente no Semi-Árido motivou a construção de represas para a retenção do maior volume possível de água, impedindo ou dificultando a sua trajetória até o oceano. Diante da tarefa de maximizar o uso dessas águas, foram construídas na região, no último século, cerca de 70 mil represas (de pequeno, médio e grande porte), que acumulam um expressivo potencial volumétrico estimado em 37 bilhões de m³.

É o maior potencial represado em regiões semi-áridas do mundo, conforme afirma Manoel Bomfim (ex-diretor regional do Dnocs e da Codevasf) em "A potencialidade do Semi-Árido Brasileiro". Segundo ele, há cerca de 14 a 15 mil represas plurianuais na região. Elas acumulam mais de 90% das águas existentes e suportam facilmente as grandes travessias estivais, mesmo com o uso continuado. Essas represas, garante Bomfim, não secam jamais.

É fundamental se conhecer de perto a existência e a importância dessas represas para o abastecimento das populações e o poder regularizador que elas proporcionam às vazões dos rios represados. José do Patrocínio Tomaz, hidrogeólogo paraibano e professor aposentado da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), coloca, em seus trabalhos, que o poder regularizador das represas de Orós e Banabuiú, ambas plurianuais e localizadas no estado do Ceará. Segundo ele, as represas têm 1,9 e 1,6 bilhões de m³ de capacidade, respectivamente, e possuem poder regularizador de cerca de 11 e 10 m³/s, com 100% de garantia de uso, seja qual for o evento hidrometeorológico.

Apenas a operação incorreta, com retiradas superiores à capacidade de regularização, ou a má gestão das bacias poderiam provocar o "secamento" dessas represas, prossegue Tomaz.

Para que não haja dúvidas, quando se diz que a represa Castanhão, no Ceará, é portadora de 6,7 bilhões de m³, estamos nos referindo à capacidade volumétrica. Mas quando tratamos do poder regularizador dessa represa, impondo ao Rio Jaguaribe uma vazão de cerca de 28,52 m³/s, com 90% de garantia de uso - segundo o Plano Estadual de Recursos Hídricos do Ceará, de 2005 -, estamos nos referindo à disponibilidade hídrica. Notem que "m³/s" é unidade de fluxo, a qual, aliada a um determinado percentual de garantia de uso, resulta em fator de disponibilidade volumétrica dessa represa.

Outra questão importante é o potencial hídrico existente no subsolo do Semi-Árido. Apesar de a grande maioria da geologia da região ser cristalina, onde não há possibilidades de reservas hídricas significativas de subsolo, não se podem desprezar as áreas de geologia sedimentária existentes na região.

Cerca de 70% das águas nordestinas de subsolo estão localizadas nas bacias sedimentárias do Maranhão e do Piauí e os 30% restantes em nichos sedimentários específicos, espalhados por toda região. Segundo Bomfim, o potencial hídrico existente no subsolo do Nordeste é de cerca de 135 bilhões de m³. Desse total, estão sendo utilizados efetivamente, por intermédio de 90 mil poços tubulares perfurados, entre 800 e 900 milhões de m³.

A grande maioria desses poços nunca recebeu equipamentos de bombeamento por meio de programas de abastecimento d´água e cerca de 40% deles encontram-se paralisados or diversas razões, menos por falta d´água. A esse respeito, Bomfim esclarece que o Nordeste pode explorar cerca de 20% de suas reservas subterrâneas (27 bilhões de m³/ano), sem queda de pressão, pois os poços são reabastecidos anualmente pelas águas das chuvas caídas e que são drenadas verticalmente para o seio da terra. Um poço tubular perfurado no aqüífero de uma bacia sedimentar gera de 100 a 400 mil litros por hora. Esse volume abasteceria uma cidade de 50 mil habitantes.

Por meio da análise das disponibilidades hídricas das bacias do Nordeste setentrional, João Abner, doutor em recursos hídricos e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), concluiu que não há escassez. Seus estudos mostram que as bacias do Ceará, por exemplo, possuem uma disponibilidade hídrica de 215 m³/s. A população do estado só utiliza 54 m³/s. No Rio Grande do Norte, a disponibilidade é de 70 m³/s e só são utilizados 33 m³/s. Na Paraíba, um dos estados mais complicados em termos de fornecimento de água para sua população, a disponibilidade é de 32 m³/s e apenas 21 m³/s são efetivamente utilizados.

Diante de toda essa riqueza hídrica no Semi-Árido é revoltante observar pessoas passando sede na região, resultado do descaso de nossas autoridades na elaboração e na condução de políticas públicas para o devido abastecimento da população. Faltam políticas que garantam o necessário acesso à água.

Diante da precariedade do abastecimento, populações inteiras passam necessidade mesmo residindo a poucos quilômetros das fontes hídricas ou mesmo no entorno das principais represas nordestinas. Esse fato não ocorre apenas no ambiente próximo aos reservatórios, mas também próximo aos principais rios nordestinos, a exemplo do Rio São Francisco, que atravessa municípios desprovidos de abastecimento de água.

Exemplo marcante é o da cidade alagoana de Traipu, que não tem água encanada na maioria de suas residências e possui um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano (IDHs) do país. Como é possível a existência de um município em tais condições de pobreza, localizado às margens do principal rio nordestino? Isso mostra com clareza que a proximidade da água não é o fator principal de promoção do desenvolvimento, se não houver, por trás disso, políticas capazes de usufruir essa condição.

Essa é uma das principais críticas feitas pelos movimentos sociais ao projeto de transposição do Rio São Francisco. A existência de municípios em suas margens inteiramente desabastecidos contrasta com a proposta faraônica de transporte de águas para o abastecimento das principais represas nordestinas, sabidamente para uso econômico, em especial do agronegócio. É possível verificar que, a poucos quilômetros dessas represas, muita gente passa sede e fome devido aos precários programas de distribuição de água existentes.

Está claro que o Semi-Árido nordestino tem muita água. Faltam apenas políticas públicas que permitam acesso aos recursos hídricos. Nesse sentido, é chegada a hora de sentarmos à mesa para discutirmos qualquer gota d´água disponível na região, sob pena de colocar em risco toda e qualquer iniciativa de desenvolvimento que faça uso de água. Concretizadas essas discussões, o povo nordestino só terá a agradecer.

*é engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj

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