Pesquisa na Web

Pesquisa personalizada
SEJAM BEM VINDOS AO AGRO INFORMAÇÕES

domingo, 10 de agosto de 2008

Reforma agrária: a salvação da lavoura


No primeiro semestre desse ano, o Projeto de Assentamento MAISA, localizado nos municípios de Mossoró e Baraúna, produziu mais de duas mil toneladas de alimentos, o que tem permitido às 1.150 famílias assentadas segurança alimentar e nutricional - no momento em que o mundo sofre com a crise de alimentos - além da comercialização do excedente, proporcionando geração de renda e inclusão social a essas famílias.

Falar da desapropriação da antiga fazenda MAISA nos remete de imediato a seguinte questão: qual seria o destino das milhares de famílias desempregadas com a falência da Mossoró Agrícola S/A.? Talvez parte delas estaria na dependência do trabalho sazonal (época da colheita) nas poucas empresas agrícolas que restam na região, parte poderia estar engrossando as fileiras dos movimentos sociais que ainda lutam pela terra ou por moradia, ou ainda aglomeradas nas favelas de Mossoró... Não sabe ao certo.

O que se sabe é que os quase 20 mil hectares desapropriados se transformaram em espaço de produção de alimentos, de vida digna com direito a serviços públicos diversos (moradia, escola, atendimento à saúde, etc.), que em nada deixam a desejar em comparação com a vida urbana.

Somente no primeiro semestre desse ano foram colhidas nesse assentamento mais de duas mil toneladas de alimentos. As culturas do milho e do feijão, em especial, foram responsáveis por mais da metade dessa produção. Na verdade, desde a sua criação, o assentamento apresenta um aumento contínuo de produção. Na safra 2005/2006, foram colhidos cerca de 350 toneladas de alimentos. Na safra seguinte, produziu-se mais de mil toneladas. Toda essa produção foi resultante da aplicação de um crédito utilizado no fomento à produção repassado pelo INCRA e Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, no valor de R$ 2.400,00 por família.

A expectativa da Superintendência Regional do INCRA/RN é de que, após o acesso das famílias ao financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), previsto para iniciar ainda no segundo semestre deste ano, a MAISA se torne um dos maiores assentamentos rurais do Nordeste, não apenas em extensão, mas também em produção e produtividade.

É, sobretudo, calcado nessa realidade, e motivado pelo artigo escrito pelo empresário José Nilson de Sá, ex-proprietário da Empresa MAISA, intitulado ‘‘Maisa, seu Destino’’, publicado no último dia 29 de julho, na página O Leitor Escreve, que utilizo do mesmo espaço desse importante periódico para levar ao conhecimento público algumas considerações sobre a desapropriação do imóvel e seu verdadeiro destino.

Primeiro

O conceito de improdutividade: de acordo com o que rezam a Constituição Federal e a Lei nº 8.629/93, compete ao Poder Público (através do INCRA) desapropriar o imóvel rural que não cumpre sua função social, fato este muito bem caracterizado no Capítulo III, art. 186 da Carta Magna, bem como no art. 4 e seus parágrafos da já citada Lei. Portanto, não se trata de uma ‘‘concepção adotada pelo INCRA’’, como afirma inapropriadamente o Sr. Nilson.

A equipe técnica responsável pelo laudo de vistoria que classificou o imóvel como improdutivo foi composta não somente por profissionais do INCRA, mas também por técnicos de várias instituições afins, a saber: Secretarias de Estado da Agricultura, da Pecuária e da Pesca - SAPE, de Assuntos Fundiários e Apoio à Reforma Agrária - SEARA, de Recursos Hídricos - SERHID, Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente - IDEMA, Instituto Brasileiro do Meio ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA. Fez parte, ainda, o renomado e saudoso Professor Doutor Maurício de Oliveira, da ESAM.

O laudo produzido por essa inquestionável equipe interinstitucional - a prova dessa afirmativa é o fato de que os proprietários não apresentaram impugnação à classificação do imóvel como GRANDE PROPRIEDADE IMPRODUTIVA, direito que lhes era assegurado por lei - atesta que, no momento da desapropriação, apenas 223,15 ha (1,13% da área desapropriada) estavam ocupados com culturas, parte dos quais sem estar produzindo, conforme demonstra o quadro abaixo. Portanto, tratava-se sim de um imóvel IMPRODUTIVO no RN e em qualquer outro lugar do país, portanto passível de desapropriação para fins de reforma agrária. É importante destacar, também, que a área atualmente plantada pelos(as) assentados(as) é quatro vezes superior.

Segundo

Menciona o Sr. Nilson, quando tenta explicitamente ridicularizar o trabalho de séria instituição como o INCRA/MDA, que o endereçamento das notificações foi feito de forma equivocada. Na verdade, tanto a notificação comunicando a realização da vistoria, sempre respeitando o prazo exigido por lei, quanto a que informou a classificação do imóvel como improdutivo, foram corretamente endereçadas à Mossoró Agroindústria S/A, Km 9, BR 304, sentido Mossoró-Fortaleza. Como se trata de uma correspondência endereçada a uma empresa, é mais do que óbvio que o recebimento seja feito por alguma pessoa física com capacidade para representá-la, o que está devidamente registrado nos autos do processo. No caso específico do Sr. Nilson de Sá, este ocupava, à época, de acordo com o que consta nos autos do processo, a vice-presidência do Conselho de Administração. Não houve, portanto, por parte da Instituição, despreparo, descaso ou deboche, como sugere o autor do artigo em questão.

Terceiro

Sobre o valor total da desapropriação, o INCRA, mais uma vez, seguiu o que determinam a lei e seus normativos, indenizando de forma prévia e justa (preço de mercado) a terra nua e as benfeitorias. Quanto ao fato de não ter realizado a desapropriação total, o Órgão o fez levando em consideração a faculdade que a lei lhe permite de realizar a desapropriação parcial do imóvel, a análise do custo-benefício de algumas benfeitorias, notadamente prédios e fábricas, vez que em função do seu estado de conservação, necessitaria de alto investimento para recuperá-los, o que oneraria sobremodo o custo/família (R$ 7.747,00). Acrescente-se a isso, a não perspectiva de utilização dessas benfeitorias a curto e médio prazo por parte das famílias assentadas. A Vila Ângelo Calmon de Sá constituía um capítulo à parte, toda ela ocupada há décadas por ex-funcionários da empresa, que reivindicavam seus direitos trabalhistas na justiça.

Diferentemente do que diz o Sr. Nilson, a decisão quanto às benfeitorias a serem desapropriadas não foram tomadas de forma açodada, mas após profundo estudo técnico por parte da equipe interinstitucional que participou da desapropriação. Uma análise atual dos fatos comprova que a decisão tomada pelo Órgão foi acertada. Passados quatro anos da desapropriação, algumas dessas estruturas - como as fábricas - ainda não foram arrematadas em leilão judicial.

Ainda a propósito da indenização, o INCRA, por ocasião do depósito dos respectivos valores, foi informado da decisão judicial de bloqueio de toda a importância correspondente ao montante a ser recebido pela Empresa MAISA. Tal decisão teve como parte autora o INSS, que se habilitou judicialmente com o intuito de receber débitos previdenciários, cujo montante total superava, em muito, o valor total da indenização. Há de se registrar, também, que, por força da decisão da Justiça do Trabalho de Mossoró, 80% de todo o valor depositado foi destinado para o pagamento de reclamações trabalhistas impetradas contra a Empresa MAISA. Apesar de a mesma Justiça do Trabalho ter solicitado os 20% restantes dos valores para o mesmo destino, tal quantia ainda se encontra depositada em juízo.

Quarto

Não nos compete comentar as razões alegadas pelo Sr. Nilson no que diz respeito à falência da Empresa MAISA. No entanto, é certo que em razão das inúmeras habilitações feitas por fornecedores, bancos e ex-empregados da Empresa, podia se inferir que há muito a mesma era insustentável economicamente. Logo, a desapropriação representou a salvação da lavoura (termo usado pela Procuradora-Chefe do INCRA nos autos do processo) para a Empresa e para milhares de famílias demitidas pós-falência, sem perspectivas de reinserção social e produtiva.

Quinto

Diferentemente do que tentou ensejar em seu artigo o Sr. Nilson, a Superintendência do INCRA, sempre que solicitada, recebeu por mais de uma vez os proprietários da Empresa MAISA e prestou todos os esclarecimentos requeridos e necessários aos mesmos, objetivando, dessa maneira, que não lhes sobrasse a menor sombra de dúvida acerca dos procedimentos adotados pelo Órgão no curso do processo desapropriatório. Em uma dessas reuniões, sugeri pessoalmente que o Sr. Nilson, a quem sempre tratei com respeito e admiração, registrasse em livro a história da MAISA, o que de fato o fez, seguramente não em acato somente à minha sugestão. Nessa obra, intitulada ‘‘A estrada que percorri’’, o autor menciona esse episódio e faz agradecimento ao estímulo recebido.

O que conforta a todo(a)s que fazem a instituição INCRA é ouvir depoimentos como o do Sr. Otacílio Bispo dos Santos, 64, prestado à reportagem da revista NEGÓCIO RURAL (Mossoró/RN, junho de 2008, ano 3, N 1, pag. 43). Relata o agricultor: ‘‘em dois meses de venda, ganhei mais de mil reais. A mulher já comprou televisão e a casinha tá melhor agora que fiz uns serviços nela. Me sinto como se tivesse enricado’’. Maria da Conceição Raulino, também assentada no Projeto de Assentamento MAISA, segue a mesma linha, ao falar àquela reportagem dos resultados alcançados com a produção (pag. 45): ‘‘tem hora que não consigo acreditar que conseguimos. Isso daqui era o desejo de todo mundo. Estamos trabalhando para a gente e ganhando nosso próprio dinheiro.’’

Hoje, falar do Projeto de Assentamento MAISA é falar da recuperação e da alta produtividade dos pomares de acerola e caju; da maior produção de milho da região; do plantio de olerícolas, tais como a melancia e o melão, cuja produção passada trouxe ao imóvel o tráfego intenso de caminhões, que saíram lotados de frutas para o mercado local e internacional; da colheita de batata doce, pimentão, tomate, jerimum, feijão verde, beterraba, alface, coentro, cebolinha, cenoura, pepino e couve, produzidos sem agrotóxicos e que estão contribuindo para o abastecimento da merenda escolar das zonas rural e urbana de Mossoró, através do Programa de Aquisição de Alimentos do Governo Federal. Isso, sem falar da apicultura, com centenas de caixas de abelhas espalhadas pelos pomares, contribuindo para a diversificação da renda das famílias. Não se pode falar desse assentamento sem mencionar a maior escola rural e os mais equipados centros de atendimento à saúde da região.

Não poderia finalizar sem mencionar a importante injeção de recursos que esse assentamento possibilitou aos municípios de Mossoró e Baraúna, contribuindo para o fortalecimento e dinamização da economia local. Para se ter a noção exata, basta imaginar que nesse assentamento moram e produzem mais de 5 mil pessoas. Trata-se de investimento equivalente ao necessário para construir e estruturar, ao longo de décadas, algumas cidades de porte médio do RN. Ainda neste ano, mais de R$ 20 milhões em recursos começarão a circular na região, resultante do acesso das famílias ao financiamento da produção, através do PRONAF (MDA).

Por fim, gostaria de expressar a minha convicção nos homens e nas mulheres daquele assentamento, que a cada dia constroem uma página de uma nova história naquelas terras, demonstrando que é possível produzir alimentos sadios sem degradar o meio ambiente, bem como a minha crença na Reforma Agrária como única alternativa viável para milhões de famílias nesse país excluídas do direito básico à vida.


Paulo Sidney Gomes Silva *
especial para O Poti

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente

Palavra-chave

Entre em contato comigo

Nome:

E-Mail:

Assunto:

Mensagem: